O álbum de Mario Rebecchi
Como resgatei um álbum dos anos 1950 descartado pela família e me encantei com o seu conteúdo
Desde que comecei o São Paulo Antiga, há 17 anos, me especializei em adquirir acervos essencialmente focados na cidade de São Paulo, com o objetivo de ter um arquivo especializado. No entanto, como pesquisador e curioso, sempre abri exceções para outros materiais, como I e II Guerra Mundial, e Guerra do Paraguai, por exemplo.
Nos últimos 5 anos também comecei a adquirir acervos fotográficos diversos, sem relação com a história de São Paulo, o que acabou me trazendo materiais obscuros e/ou amadores interessantíssimos, como essa graciosa caderneta de poesias de João Herdy Boechat, adquirido em leilão e descartado pela família do autor (que depois da repercução da publicação quis comprar de volta e, claro, não vendi).
Mas até hoje nada que comprei em leilão de acervos particulares foi tão interessante, caprichoso e peculiar como esse álbum de scrapbook:
Disponível nos lotes de um leiloeiro cujo site visito com frequência, o anúncio não era tão esclarecedor sobre a autoria, mas o texto já tinha mais que o suficiente para instigar a minha curiosidade:
Álbum de fotografias com 50 folhas totalmente ocupadas com fotografias e propagandas recortadas de revistas especializadas em armas e munições e em caçadas. As fotografias foram clicadas entre 1950 e 1954, com imagens de locais em que o proprietário do álbum realizou caçadas, de seus automóveis, do Rio de Janeiro entre outras. O álbum apresenta-se em mau estado de conservação com algumas fotos deterioradas.
O valor era baixo e convidativo. Não resisti e dei lance, na torcida de que ninguém mais desse lance para competir comigo. Tive sorte de não ter nenhum outro maluco disputando comigo e arrematei o álbum por R$80 mais as despesas de envio.
Finalmente, quando o álbum chegou em casa, pude constatar que o anúncio estava absolutamente preciso em trecho da descrição: mau estado de conservação.
O álbum estava com as capas apodrecidas, algumas páginas colando umas as outras e com diversas traças minúsculas, mas vivas, andando dentro do capa que é confeccionada em couro e tecido.
Foi preciso muita calma e de dedicação para, sem desmontar o álbum, exterminar as pragas e soltar cada uma das páginas que estavam grudadas entre si e colar alguns recortes que se desprenderam com o passar dos longos anos de vida deste material (cerca de 70 anos).
Uma vez vencida esta etapa pude me dedicar a folhear página por página deste álbum e me aprofundar na vida dessa pessoa que tanto se dedicou a este trabalho.
Trata-se de um álbum de scrapbook feito com muito capricho e cuidado por um homem chamado Mario Moreira Rebecchi, morador do Rio de Janeiro. O conteúdo é bem peculiar e reúne aquilo que visivelmente eram as grandes paixões dessa pessoa: caça, carros, filhos e a esposa (não necessariamente nesta ordem).
Embora eu abomine a prática da caça e armas de fogo, coloquei essa parte em no contexto. Afinal, na época que Rebecchi fez seu álbum, entre 1953 e 1958, a prática era bastante disseminada pelo mundo e no Brasil não era diferente.
Ao longo das páginas do livro me deliciei com os recortes, muitos deles minúsculos, extraídos com precisão cirúrgica de revistas de caça e catálogos de armas em um trabalho minucioso e muito criativo, que mesclou os fragmentos junto com fotografias de viagens pelo Brasil e por locais consagrados do Rio de Janeiro.
Rebecchi era de uma família de alto poder aquisitivo, visto pela numerosos rifles e espingardas que possuía, pelos safáris pelo interior de Mato Grosso e pelos carros elegantes que tinha, como Packard, Cadillac e Buick.
Por fim fui pesquisar por arquivos do Rio de Janeiro, como do jornal O Globo, para descobrir mais sobre Mario Rebecchi. Foi lá que descobri que ele é oriundo da mesma família do renomado arquiteto Rafael Rebecchi, autor de projetos consagrados como o edifício do Clube de Engenharia (já demolido) no Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça em Belo Horizonte, e pavilhões da Exposição Nacional de 1908, onde foi responsável pelos pavilhões da Bahia e Minas gerais.
Na empresa R.Rebecchi & Cia, fundada pelo arquiteto Rafael Rebecchi, Mario trabalhou em funções de diretoria, bem como outros familiares seus.
Apesar do álbum não ser datado, as fotografias reunidas dão uma boa pista do período em que ele foi confeccionado: A imagem mais antiga é de 1948 e a mais recente de 1957. Infelizmente como Mario Rebecchi não está mais entre nós – ele faleceu em 1977 – vai ser difícil saber mais detalhes. Contudo é possível que um dos filhos gêmeos dele ainda esteja vivo.
Imagino que o álbum, após a morte de Mario, tenha sido guardado em algum armário por todas essas décadas e em alguma dessas limpezas em arquivo de família alguém o tenha encontrado e não se identificou com o material, decidindo dele se desfazer.
Há estudos que dizem que o apego de familiares com seus antepassados são fortes em até três gerações, depois disso os laços se distanciam e o apreço também se vai.
O álbum agora está passando por um minucioso trabalho de higienização, para posterior digitalização do acervo. Em seguida as fotografias serão restauradas e catalogadas, para depois serem disponibilizadas online no site São Paulo Antiga.
Antes disso acontecer gravei o vídeo abaixo onde mostro com detalhes, página por página, deste álbum gracioso. E convido você a assistir!
E se você conhecer algum familiar de Mario Moreira Rebecchi, me avise! Será um prazer saber mais sobre esta pessoa tão interessante.







