Quando nasce uma "publi" morre uma pauta
Estúdio Folha consome páginas cruciais do caderno Cotidiano da Folha, na busca pelo dinheiro antes do jornalismo.
As “publis públicas” não são algo recente no jornalismo brasileiro, muito menos em São Paulo. Quando nasceu o primeiro jornal diário da capital paulista, o Correio Paulistano, lá nos idos de 1854, as “publis” do governo já estavam lá.
Dono da única tipografia a vapor da cidade o jornal por longos anos lucrou sozinho com a publicação do que seria o avô do Diário Oficial do município, bem como editais e similares. Com o surgimento de novas tipografias e, principalmente, a chegada da Província do Estado de S.Paulo (atual O Estado de S.Paulo) o monopólio acabou. Mas as “publis” seguiram.
Aliás, convenhamos, o nome “publi” é horrível. É nada mais nada menos que o bom e velho Informe Publicitário em outra roupagem.
Muda-se o mensageiro mas a mensagem segue sendo a mesma.
Corta para o século 21, Alameda Barão de Limeira, 425 - Campos Elíseos. Creio que há alguns anos, possivelmente prevendo a morte lenta e dolorosa dos jornais impressos, alguém dentro da Folha de S.Paulo teve a brilhante ideia: mudar o nome de nosso setor de informes publicitários para o pomposo nome de Estúdio Folha. Foi o chamado “rebranding”.
Ao contrário da maioria dos informes publicitários antigos, enviados geralmente por uma agência de marketing ou por uma assessoria de imprensa, o novo serviço passava a ser produzido totalmente dentro da redação, ou seja, por jornalistas que vão para uma nova posição que talvez seja apenas melhor que ir para o olho da rua (alô passaralho). Não demorou para outros jornais perceberem o ótimo filão e lançarem concorrentes, como o Estadão Blue Studio.
Acho potencialmente prejudicial para o jornalismo quando uma empresa como a Folha quer satisfazer dois lados: o do cliente anunciante e o do leitor, pois essa conta no aspecto ético simplesmente não fecha. O jornal precisa buscar novas formas de receita e inovação, isso é fato, mas esse caminho adotado oblitera o que é mais primordial para o leitor: a credibilidade.
Ano passado, por exemplo, a Folha através de seu Estúdio publicou a exaustão, em pleno ano eleitoral, as “maravilhas” (aspas minhas) da gestão do Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). De discretos anúncios as “publis” foram crescendo a ponto de ocupar uma ou até duas páginas do jornal, geralmente no Cotidiano, que é onde o leitor vai procurar notícias sobre a cidade. Ao invés disso é tomado por textos que o confundem, criando o falso cenário de que tudo na cidade vai as 1000 maravilhas.
As “publis” da Folha de S.Paulo com a prefeitura de 2023 para cá foram tantas, mas tantas, que virou uma espécie de portal à parte que você pode conferir clicando na imagem abaixo:
O negócio é tão grande que as “publis” do Estúdio Folha junto à prefeitura de São Paulo tem até editorias, como se fosse um jornal de fato. Ao navegar no link da imagem acima, terá a sensação de que está em jornal de uma cidade perfeita. E, acredite, muitos leitores ingênuos terão a mesma sensação.
Se ajudaram a influenciar os resultados das eleições de 2024 a favor de Ricardo Nunes? Oficialmente não há como saber, mas arrisco palpite que sim.
O mais sórdido é que à medida que o jornal aumenta as “publis” da prefeitura paulistana “by Estúdio Folha” o caderno Cotidiano vai se tornando cada vez mais fraco e reduzido. Quem lia a Folha nos anos 1980, 1990 e até início dos anos 2000 vai lembrar da relevância desse caderno para o dia a dia do paulistano, e hoje em dia parece o extinto jornal “Agora” de tão ruim.
Na minha percepção de leitor de jornais há décadas e de jornalista, entendo que os responsáveis pelo Estúdio Folha parecem hoje ter mais força do que a redação tradicional, e vão perdendo a timidez de fazer “publi” junto a páginas onde deveriam estar falando dos problemas da cidade, apontando os erros e acertos da administração municipal. Oficializou-se o jornalismo artificial e marqueteiro, que confunde o leitor a respeito dos limites entre a notícia e a propaganda.
A última semana de março de 2025 foi especialmente infeliz para o outrora relevante Caderno Cotidiano, com seis “publis” de 1/4 de página em sete dias de impresso. Curiosamente nos dias que foram veiculados, não tinha uma única notícia crítica à prefeitura de São Paulo, observe um exemplo:
Onde saiu um quarto de página sobre o serviço Aquático-SP nenhuma notícia sobre a cidade, nada. É como se a notícia sobre São Paulo que o leitor devesse ler fosse apenas aquela produzida pelo Estúdio Folha.
O mesmo aconteceu na terça-feira da mesma semana. Notícia da cidade? Só a “não notícia” do Estúdio Folha:
E isso segue nos demais dias da mesma semana. Veja abaixo, respectivamente, quarta, sexta, sábado e domingo (clique na imagem escolhida da galeria para ampliar):




Se a Folha quer continuar a produzir essas “não notícias” da Prefeitura de São Paulo, que tenha a decência e o respeito ao seu leitor e as publique em um caderno à parte no final do jornal. O assinante ou mesmo o leitor avulso não deveria ser submetido a isso. Sei que falarão que o layout é diferenciado mas quantos notam isso de fato?
A se continuar essa prática que o jornal ao menos encerre de vez, com dignidade, o caderno Cotidiano. O jornalismo de cobertura da cidade é incompatível com “publis” da prefeitura.
O jornalismo vai minguando a lógica se inverte e o que já foi um dos maiores jornais do país fica subserviente ao discurso propagandista da prefeitura