A curiosa eleição municipal de 1985
Quando o candidato "inteligente e suruba" venceu as "nádegas indevidas"
Passado quase um mês do segundo turno da eleição municipal, vencido por Ricardo Nunes (MDB) e faltando pouco mais de um mês para seu novo mandato, lembrei-me de um fato curioso ocorrido há quase 40 anos. A segunda eleição de Jânio Quadros ao cargo de prefeito.

Político veterano brasileiro, Jânio disputava sua segunda eleição após sua polêmica renúncia ao cargo de Presidente da República, ocorrida em 25 de agosto 1961. Antes disputara o cargo de governador em 1982, mas foi atropelado por André Franco Montoro que levou pouco mais de 49% dos votos (a título de curiosidade, Lula também concorreu e terminou a disputa em 4º lugar).
A eleição municipal tinha tudo para ser um novo atropelo na carreira de Jânio que, se antes da ditadura militar era um campeão de votos, na era da reabertura era um azarão com um pequeno número de eleitores fiéis e saudosistas, insuficientes para fazer a diferença. Na eleição de novembro de 1985, para a sucessão do biônico Mário Covas, concorriam com Quadros novas estrelas da política encorajados pelos ares da redemocratização. Entre eles Eduardo Matarazzo Suplicy (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PMDB).
E tudo indicava que FHC iria tratorar o pleito municipal tal qual Montoro fez três anos antes na disputa estadual. Cardoso era do partido que dava as cartas no poder naquele momento do país, o PMDB, inclusive em Brasília com o presidente José Sarney, era jovem, entusiasmado e prometia continuar o legado de Covas que fazia uma boa gestão.
Cenário pronto para tomar posse do gabinete do Ibirapuera, FHC só tinha um problema: seu ego.

Liderando as pesquisas desde o início Cardoso tinha certeza da sua vitória desde meses antes da eleição. Jânio não se movimentava muito nas intenções de voto e Suplicy seguia na terceira colocação. A confiança daquele que posteriormente viria ser Presidente da República por dois mandatos consecutivos era tão grande que na véspera da eleição ousou posar para a imprensa sentado na cadeira de prefeito, com a autorização de Covas então mandatário da cidade.
Isso devido ao fato de que a revista Veja queria na capa da edição seguinte ao pleito a foto do prefeito eleito, que indicava ser Fernando Henrique. Para isso precisaria fazer a foto antes da eleição ou não daria tempo de a capa sair com o eleito. Junto foram fotógrafos de outros veículos e a Folha soltou a imagem justamente na edição de 15 de novembro de 1985, uma sexta-feira, data da eleição.
Logo de manhã à medida que o jornal era distribuído pela cidade ficava visível o desconforto que a imagem causara. Programas de rádio alimentavam a repercussão de que Fernando Henrique Cardoso se sentia eleito e isso, claro, não agradou alguns de seus eleitores que migraram votos para o candidato petista, Suplicy, enquanto outros pularam para o candidato da vassoura. A divisão da esquerda e centro-esquerda nos votos e as mudanças de última hora ajudaram Jânio Quadros (PTB), até então no que parecia muito improvável, ser eleito prefeito de São Paulo pela segunda vez em sua vida.
Houvesse segundo turno naquela época possivelmente FHC venceria Jânio na nova disputa, uma vez que votos de Suplicy tenderiam a migrar para ele. Como isso não existia na época, o resultado foi um balde água fria não só em Cardoso mas em Montoro e Covas que nele apostaram. Jânio riu por último e riu melhor.
O fim de tudo isso foi o mais divertido possível. Jânio Quadros que era conhecido pelo gênio forte e por suas respostas usando a forma culta da língua-portuguesa esperou sua posse para dar a resposta mais genial que poderia dar: desinfetando a cadeira de prefeito.
No dia da posse Jânio surge no gabinete da prefeitura, ainda no Parque Ibirapuera com um lata de um produto de limpeza, direciona o líquido para a cadeira e profere a famosa frase:
“gostaria que os senhores testemunhassem que estou desinfetando esta poltrona porque nádegas indevidas a usaram” e depois emendou “porque o senhor Henrique Cardoso nunca teria o direito de sentar-se cá e o fez, de forma abusiva. Por isso desinfeto a poltrona”
Meu pai, fã do Jânio, contava essa história kkk